Estudos recentes sobre a actividade cerebral comprovam que a interacção com a música pode influenciar acções cognitivas que não estão directamente relacionadas com ela, principalmente nas gerações mais jovens. O córtex cerebral organiza-se à medida que nos envolvemos em diferentes actividades musicais e as capacidades relacionadas com esta área adaptam-se a outro tipo de acções com um processo cognitivo semelhante.
Estudos sobre estes temas serão apresentados no simpósio «Music, Poetry and the Brain», organizado pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e pelo Goethe- Institut, a realizar no dia 25 de Maio, na Reitoria da UNL. A programação, não direccionada apenas a especialistas em música ou neurociência, está a ser coordenada por Armando Sena (Lisboa) e Robert Zatorre (Montreal).
As investigações mostram que a música e o discurso oral partilham uma série de sistemas de processamento cognitivo, pelo que as experiências musicais melhoram a percepção da linguagem, o que por sua vez facilita a aprendizagem da leitura.
Experiências com crianças de oito anos com apenas oito semanas de educação musical demonstraram que havia melhorias na cognição perceptual quando comparadas com o grupo de controlo. O envolvimento activo com a música aguça a capacidade cerebral para registar sons linguísticos.
O discurso oral faz um uso extensivo da audição dos padrões estruturais que se baseiam nas diferenças do timbre entre fonemas. A educação musical desenvolve capacidades que melhoram a percepção destes padrões, que, por sua vez, são fundamentais para desenvolver a atenção fonológica e aprender a ler com sucesso e suporte .
“Desenvolvimento cognitivo não existe
sem desenvolvimento sensorial e motor”
Tocar um instrumento ajuda a melhorar a capacidade de recordar as palavras através do desenvolvimento da região temporal esquerda do cérebro. O mesmo estudo realizado com crianças de oito anos demonstrou que os participantes com educação musical fixaram mais 17 por cento da informação do que aqueles que não tinham educação musical.
Helena Rodrigues, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e especialista em psicologia da música explica que “o desenvolvimento cognitivo não existe sem desenvolvimento sensorial e sem desenvolvimento motor. A música apresenta um forte potencial em termos de estimulação a este nível”.
Afirma também “que não se pode falar em desenvolvimento cognitivo sem considerar também o desenvolvimento social. E aqui, a música apresenta também todo um potencial de transformação capaz de ajudar crianças com necessidades educativas especiais – quer as que apresentam dificuldades de aprendizagem como as sobredotadas, que são também especiais”.
A especialista refere que “em Portugal há vários estudos realizados nesta área. Não posso deixar de destacar o trabalho realizado no Laboratório de Música e Comunicação na Infância do Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas que, não obstante ser um equipamento recente, conta já com duas teses de doutoramento muito relevante no âmbito do estudo do desenvolvimento musical na infância”.
Está também a decorrer o Projecto Opus Tutti que tem um carácter musical significativo, “voltado para a infância e apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian”.
No entanto, continua a faltar investimento na educação musical no nosso país. “A educação pré-escolar e o primeiro ciclo de escolaridade são a altura em que se aprende mais e mais depressa. Por isso, deveria haver um investimento muito maior na educação e no apoio social que é dado a esta faixa etária”. A investigadora diz não ter dúvidas que “uma cuidada educação musical nos primeiros anos de vida pode ser um factor extremamente relevante para a promoção do sucesso educativo e do bem-estar social”.